sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Estréia Hoje !

[A Origem] O Imaginarium do Dr. Nolan

 


“Trata-se um simulacro simulando um simulacro contido dentro da simulação que é o cinema. Tudo ali é tão real quanto a sensação que a arte nos transmite, ao enganar os olhos com a projeção seqüencial e a mente com a história hiper-realista”
Era uma vez um gênero literário e cinematográfico completamente sonhador. Analisava as estrelas, homens e seres que nelas viviam; arriscavam um futuro, com ou sem carros voadores; ousava ultrapassar as barreiras do tempo e do espaço. O futuro se tornou presente, parte de suas promessas não se concretizaram e, numa inesperada, mas compreensível, crise de meia-idade a Ficção Científica assumiu seu aspecto mais popular, ganhou as mídias mainstream e passou a mergulhar na mente humana. A fronteira final mudou de lugar nessa inversão de papéis na ponte das estrelas, na qual armadilhas sociais e tecnológicas disputam ferrenhamente o comando tanto do gênero quanto dos espectadores com nossos maiores medos e pesadelos. É nesse cenário que A Origem (Inception), novo filme de Christopher Nolan, se enquadra com maestria visual e perfeição técnica, assumindo papel de coadjuvante de luxo na evolução de um gênero carente de uma estrela incontestável.
“Quão pesada é a alma humana?”, sugeria William Blake. A resposta deve ser proporcionalmente ligada à complexidade da mente dos homens. Limitada pela natureza finita da existência e as viagens egocêntricas capazes de imaginar as situações [de sucesso] mais absurdas e inverossímeis, nossa raça tem uma relação curiosa com o imaginário. Sonhos já foram fundamentais na previsão do futuro em civilizações antigas com direito a menções famosas na Bíblia cristã e grande relevância na Visão dos sacerdotes druídicos. Com o passar dos anos, sonhar perdeu força e seus significados ficaram notoriamente relegados aos ditos populares. Normalmente, o estado de sonho é ligado à ausência de barreiras, quando o subconsciente toma conta, medos desaparecem ou ganham força extrema e, efetivamente, a natureza de cada indivíduo se manifesta em esplendor.
Campo perfeito para a Ficção Científica, cuja existência se deve a essa fantástica capacidade. O simples ato de sonhar. H.P. Lovecraft causa assombro com seus pesadelos irracionais; Philip K. Dick procura a alma numa mente robótica teoricamente incapaz de sonhar, mas imbuída de desejo e imaginação própria; Isaac Asimov encontrou amor num cérebro positrônico; Arthur C. Clarke vislumbrou um futuro da lógica sobrepondo a emoção. Entretanto, a maioria dessas histórias projetava um futuro e novas formas de vida – biológicas ou não – quando o homem desbravasse suas fronteiras físicas. William Gibson guinou essa equação quando Neuromancer deixou clara a nova avenida de possibilidades: a mente.
Explorar os subconsciente sempre foi elemento presente no gênero [entre tantos exemplos, vale citar Matadouro 5, de Kurt Vonnegut], mas o cinema das últimas décadas percebeu o potencial comercial desse viés. Na década de 80, Dennis Quaid enfrentou um assassino mental em Morte Nos Sonhos [Dreamscape, de 1984, curiosamente, mesmo ano do lançamento de Neuromancer]. Tudo era possível. Definitivamente, era a gênese da exploração da dinâmica simulação versus simulacro; a luta entre realidade e enganação e a deliciosa, e irresistível, brincadeira para convencer o leitor e espectador de que a realidade era falsa e a mentira poderia ser tão real se bem construída e inserida na mente dos envolvidos.
Entretanto, esse debate deixou as prateleiras dos sebos e conversas entre fãs especializados quando Matrix chegou aos cinemas em 1999. Foi a explosão comercial responsável por difundir esses conceitos em todos os meios possíveis. Questionar a realidade ganhou as conversas de botecos mais intelectualizados, desvendar as motivações e referências de Neo e as possibilidades de um mundo completamente simulado se tornou algo acessível. Quase banal tamanho foi sua influência. Jean Baudrillard [que morreu em 2007] nunca foi tão lido e citado, mas, pouco depois, precisou se manifestar dizendo que os diretores não entenderam sua proposta. Os professores de semi-ótica e análise de discurso foram ao delírio. Era bom demais para ser verdade. Tanto é que, no mesmo ano, 13.o Andar estreou e passou batido, mesmo tendo um roteiro igualmente poderoso, questionador e até mais arrojado que a Matrix dos Wachowski. Na realidade simulada dos agentes, havia uma guerra; no outro filme [inspirado no livro Simulacron 3, publicado em 1963 por Daniel F. Galouye], os questionamentos eram mais profundos, com camadas de realidade se sobrepondo num sutil labirinto de mentes, personalidades e possibilidades. Mera questão de embalagem melhor preparada e a irresistível vertente de ação misturada com jornada messiânica. Outro aspecto misturando tecnologia e questionamento sobre a realidade foi eXistenZ, de David Cronenberg, também lançado em 1999. Um videogame meio-biológico/meio-tecnológico servia como porta de entrada para uma simulação subconsciente tão real e ameaçadora que assustava mais que a tentativa de assassinato principal do argumento. Enquanto testavam um jogo, na verdade, seus personagens confrontavam as barreiras da imaginação e despistavam seus mecanismos de defesa – hora manifestos como alertas, hora como forças agressivas. Um perigoso jogo de gato e rato, já que as regras da mente são confusas, mutantes e imprevisíveis.
Seria fácil demais unir todas essas características e acusar Christopher Nolan de plágio barato. Entretanto, criticar competência e perfeccionismo profissional ganha camadas de complexidade quando seu objeto de estudo é A Origem. Esse filme é possivelmente um dos maiores tratados cinematográficos sobre a investigação do subconsciente humano, com tantas possibilidades de trajetória quanto nossas ligações sinápticas. O roteiro de Nolan extrapola em suas interligações, subtextos e pequenas surpresas distribuídas ao longo da narrativa, sempre apoiada num visual singular; seja pelo recurso acertado da câmera lenta ou do posicionamento estratégico dos efeitos especiais, que roubam a cena nas horas exatas e se retiram instantaneamente quando necessário.

Trata-se um simulacro simulando um simulacro contido dentro da simulação que é o cinema. Tudo ali é tão real quanto a sensação que a arte nos transmite, ao enganar os olhos com a projeção seqüencial e a mente com a história hiper-realista. Nolan navega com maestria nessas águas turbulentas e cumpre seu papel como realizador. Entrega uma obra admirável, especialmente aos olhos de uma nova geração desprovida de grandes ícones nessa temática. Conceitualmente faz o mesmo que James Cameron fez com Avatar: reconta uma história impactante e relevante, porém, desprovida de novidade. Nada disso desmerece A Origem em sua jornada repleta de elogios e maravilhamento, mas pouco revolucionária em termos de novos conceitos dentro de seu gênero.
Com sua dose calculada de momentos grandiosos, e icônicos, o longa-metragem escrito e dirigido por Nolan sabe se posicionar. Desde os primeiros trailers, espera-se muito da cena em que uma cidade se movimenta como um espelho gigantesco. Inserida em seu contexto, ela ganha muito mais força e razão. É imbatível. A tela se torna um parque de diversões visuais para a habilidade de Nolan e seu elenco, em especial Ellen Page, com sua mescla de devaneio, curiosidade infantil e beleza adulta. O mesmo vale para a escolha da trilha presente e agressiva similar a Batman – O Cavaleiro das Trevas. Nesse caso, mais contextualizada do que no filme do Homem Morcego. Tratam-se de sonhos, onde tudo pode ser mais exagerado e distorcido. As relações de tempo e espaço mudam, assim como o som e sua função.
Zack Snyder poderia aprender algumas lições em termos de uso de câmera lenta, especialmente quando ela serve de ferramenta dramática. Nolan cria uma das quedas mais longas e angustiantes do cinema, num salto interminável e sincronizado em seus diversos planos narrativos. É coisa para poucos. O cinema em sua forma máxima, com cada centímetro do frame fazendo a diferença, cada movimento, cada reação. Impressionante.

Influências para o Gênero

Atualmente, a discussão entre a necessidade de uma definição para a Ficção Científica moderna e sua relação com o chamado mainstream [leia ótimo texto de Octavio Aragão sobre o assunto] provoca coceiras nos produtores especializados, mas filmes como A Origem mostram – com força, grande efetividade e exposição de público – que assim como num grande sonho, essas barreiras também devem cair para se encontrar a essência da relação. A influência da FC já é notória no cinema comercial e precisa definir o canal correto para liberar as águas amargas represadas na tensa relação entre escritores e público para fazer o mesmo na literatura brasileira.
Nem estúdio, nem diretor têm a necessidade de classificar A Origem como Ficção Científica. O Oscar não gosta e se acredita que parte do público também não, mas nada muda o fato. Esse longa-metragem desponta como um dos grandes, porém, não ameaça o reinado dos maiores ícones justamente por não ousar estruturalmente. Ousadia maior em A Origem deve ser atribuída a Leonardo DiCaprio, cuja coragem permitiu dar a cara a tapa ao viver um personagem deveras similar com seu fantástico trabalho em A Ilha do Medo. Dois estilos diferentes, dois diretores com mentalidades e visual distintos, mas um personagem estruturalmente semelhante.
DiCaprio questiona sua realidade. Sua sanidade. Confronta seus medos, esconde seu segredos. Seu trabalho é tão intenso em ambos os filmes que barreiras caem, os rastros de pão pela floresta desaparecem e cada trilha se torna igualmente atraente. Mas para qual desfecho? Ninguém sabe. Os conceitos valem mais que respostas. Plantar uma idéia é infinitamente superior a simples descoberta. Tudo isso é A Origem, um filme necessário, primorosamente realizado e fruto de uma vida de exposição de Christopher Nolan a diversas realidades, simulações, simulacros, ficções dramáticas e dramas ficcionais. Acredite no que sentir, separe memória de imaginação e nunca se esqueça de sua constante.
Na verdade,A Origem é a conclusão. É o preço pago pelos bravos, quando se imagina demais e o pião não para de rodar.
See you in another life, brotha!


 Verifique a classificação, e si ele já esta na sua cidade ..

E Bom Filme ^^

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